domingo, 20 de fevereiro de 2011

Apreciação e Análise Musical I

  

 

Keith Jarrett, Jack DeJohnette, Gary Peacock.
   
Introdução:

        Este texto tem como objetivo realizar uma análise crítica teórico-perceptiva da performance dos músicos Keith Jarrett (piano), Gary Peacock (contrabaixo) e Jack DeJohnette (bateria), na execução da música instrumental Prism, no Koseiniki Hall, na cidade de Tokyo (Japão), em 15 de fevereiro de 1985. O vídeo abaixo, é um recorte dos 7’49’’ finais da performance completa dos músicos já mencionados, executada nos locais e datas também citados acima.
 

Sobre os músicos:
                                                           
KEITH JARRETT

Nascido em Allentown em 8 de maio de 1945, é um compositor e pianista estadunidense. Suas técnicas de improvisação conjugam o jazz a outros gêneros e estilos, como a música erudita, o blues, o gospel e outros.
    Desde cedo mostrou-se um prodígio musical: aos três anos começou a ter lições de piano e já com sete realizou apresentações como solista, compôs peças para piano que posteriormente masterizava com bateria e sax soprano. Com dezessete anos tocou um concerto de duas horas e estudou com uma famosa professora de piano clássico chamada Nadia Boulanger, em Paris. Viveu um período como free lancer, e outro, participando do Jazz Messengers e do Charles Lloyd. Em 1969, Jarrett integrou no grupo de Miles Davis, tocando piano elétrico. Após esse período com Miles Davis, largou o piano elétrico e passou a gravar somente para o selo que existe até hoje chamado ECM.
Nos anos setenta, Jarrett foi líder de dois grupos: um quarteto americano com Paul Motian (bateria), Charles Haden (baixo) e Dewey Redman (sax), e um quarteto europeu constituído por Jan Garbarek (saxofone), Palle Danielsson (baixo) e Jon Christensen (percussão). Não somente, em 1972 iniciou a sua famosa série de concertos improvisados, da qual resultaram gravações populares como “Solo Concerts”, “Köln Concert” e “Sun Bear Concerts”.
Durante os anos oitenta, executou tanto o estilo clássico quanto o jazz, entretanto, já nos noventa, gravou exaustivamente a sua série “Standards Trio”, ao lado do baixista Gary Peacock e o baterista Jack DeJohnette.
Keith Jarrett, embora influenciado por Bill Evans, possui uma força criativa própria e de extrema importância e influência para o jazz.  

                                                             
GARY PEACOCK

Gary Peacock (nascido em Burley em 12 de Maio de 1935) é um versátil e talentoso contrabaixista americano de jazz. Uma das suas influências foi o saxofonista Albert Ayler, com quem teve a oportunidade de tocar e gravar nos anos 60. Sua música é maravilhosamente afetada também por seus estudos da música e filosofia oriental.
Desde os anos 80 tem feito suas contribuições contemporâneas com Keith Jarret`s Trio do qual Jack DeJohnette faz parte como baterista. Peacock continua também a experimentar suas colaborações com o pianista Paul Bley, com quem trabalha desde a década de 60.
Peacock começou a tocar ainda criança, estudando piano no início, e na adolescência, a bateria. Em 1952, ingressou na Westlake School of Music em Los Angeles, entretanto, seis meses depois a largou. Ele assumiu sua própria educação musical. Dois anos depois, entrou no exército, passando, então, a tocar com a banda militar de sua base, na Alemanha. Paralelamente, desempenhava um trabalho com seu próprio grupo. Quando o baixistista do grupo germânico saiu, Peacock pegou o instrumento e aprendeu por si, tornando-se a partir dali o baixista da banda. Ele disse numa entrevista publicada no Earshot Jazz website: “Once I started playind it, it felt somewhat natural and easy to understand and I got more and more involved with it (Uma vez que eu começei a tocar, eu senti um pouco natural e fácil de entender e eu fiquei mais e mais envolvido com isso).”
    Mesmo após ser liberado da função militar, Peacock permaneceu na Alemanha por breve período, se juntando ao quinteto do saxofonista Hans Koller. Mais tarde, naquele ano, retornou a Los Angeles onde começou a trabalhar com os saxofonistas Bud Shank e Art Pepper e o guitarrista Barney Kessel. Ele também viajou com Terry Gibbs, gravou seu primeiro álbum com a tecladista Clare Fischer e começou sua parceria de longa data com o pianista Paul Bley. Em 1962, mudou-se para Nova York onde continuou a trabalhar com Bley e foi introduzido para o influente vanguardista Albert Ayler. Ele disse na mesma entrevista: “ He was about music, really, really about music and about continual development with instrument, with technique, with all of that. So when he play it wasn`t just squawks and beeps and honks and that kind of thing. He was really, he was coming from a real place. It was authentic. It was him ( Ele era música, realmente, realmente música e o contínuo desenvolvimento com o instrumento, com ténica e com tudo isso. Então, quando ele toca não são somente batidas e sons. Isso era autêntico. Isso era ele)”.  Além de Ayler, Peacock apresentou-se com o pianista George Russel e saxofonista Archie Shepp, e então, ingressou no quarteto, integrando, com Bley, com o trompetista/cornetista Don Cherry e o percussionista Pete LaRoca.
    Durante esse período ele também se tornou parte do trio do pianista Bill Evans e gravou num segundo trio com Bley e Paul Motian (percussionista do trio de Evans). Também tocou por um breve período no quinteto de Miles Davis. Mais tarde naquele ano saiu em turnê pela Europa com Ayler, Cherry e Sunny Murray; apareceu em diversas apresentações de Ayler incluindo no Spiritual Unity que o estabeleceu como um dos mais talentosos contrabaixistas do Jazz de acordo com o New Grove Dictionary of Jazz. Em 1969 mudou-se para o Japão para estudar a filosofia e medicina oriental em visa de uma úlcera que o assolara.  Lá ele gravou com o saxofonista Sadao Watanbe, com o pianista Masabumi Kikuchi e com diversos músicos americanos que visitavam o país.
    Em 1972 retornou aos Estados Unidos e ingressou no programa de biologia da universidade de Washington, formando-se quatro anos depois. Após terminar seus estudos, ele retornou ao Japão com Bley e Barry Altschul e seu tour produziu o LP Japan Suite. Peacock começou a conquistar um nome, Down Beat magazine disse: “The reemergence of the unique voicings and intricate logic of bassist Gary Peacock has been on of the undeniable pleasures of the las few years (O ressurgimento de vozes únicas e a lógica intrigante do baixista Gary Peacock tem sido um dos inegáveis prazeres dos últimos anos)”. Em 1979, ele tornou-se professor na Cornish School of the Allied Arts e permaneceu até 1983. Durante esse tempo continuou a apresentar-se e gravar com Bley, Jarrett e DeJohnette. Em 1995, com o Bley e o trompetista Franz Kolgmann, foi lançado o album Annette estrelando as músicas da inovadora voaclista Annette Peacock, que tinha sido casada com ambos ele e Bley.
    As gravações de Peacock com Jarret e DeJohnette o levou a uma nova direção de volta para o jazz. Peacock diz:  "What is your intention? Are you just going to go out and play the songbook? Or are you going to, is your intent to go deeper and deeper and deeper into the music? Going deeper into the music doesn't have anything to do with whether it is a standard or whether it is free playing or whether it is swing. That doesn't ma ke any difference. (Qual é a sua intenção? Você apenas pretende sair e tocar o que está no songbook? Ou é seu intento ir fundo e mais fundo na música? Indo mais afundo na música não tem nada a ver quer com o estilo standard, música livre ou swing. Isso não faz diferença alguma)" Em 1999, Peacock e Bley reuniram-se com Motian, com quem haviam tocado nos anos 60 para gravar Not Two, Not One. O álbum foi recebido entusiasticamente pelas críticas e Peacock contou a Earshot Website, refletindo suas crenças influenciadas pelo Oriente, que ele não tem um plano para sua música e que viver no presente para ele é a chave. Essa atitude contagiou a filosofia do trio de Jarrett apesar da existência de 20 anos do grupo. “There`s a sense of every perfomance being the first time we`re playing together and teh last time we`re playing together her. Because we don`t know what will happen. Are we ever going to play again? (Existe uma sensação de que toda performance nossa é como se estivéssemos tocando pela primeira vez e como se fosse a última vez também. Por que não sabemos o que irá acontecer. Nós iremos alguma vez tocar novamente?)”, Peacock disse a Earshot.

 

   JACK DEJOHNETTE

Jack DeJohnette (nascido em Chicago em 9 de agosto de 1942) é um baterista americano de jazz, além de pianista e compositor. É considerado por muitos como o rei dos baterista, pois domina qualquer que seja o ritmo: free, mainstream, blues, funk ou pop.
    Iniciou seus estudos de música com piano clássico para aos 10 anos mudar para a bateria. Como Bacharel da American Conservatory of Music de Chicago, trabalhou em diversos estilos musicais, como com a AACM de Lester Bowie e Anthony Braxton até, em 1966, mudar-se para Nova York.  
    Participou do quarteto de Charles Lloyd por três anos junto com Keith Jarrett e Ron McClure. Durante esse período também gravou ou atuou com Coltrane, Bill Evans, Monk, Getz e Hubbard, entre outros. Fez parte da troupe de Miles Davis nas sessões de “Bitches Brew” em meados de 1969 e se juntou ao grupo de Miles no outono de 1970 durante um ano. Jack passou a gravar com seus próprios grupos para os selos Milestone, ECM, Impulse! e Blue Note. Um dos seus mais importante trabalhados foi e está sendo desenvolvido há mais de 10 anos no “Jarrett Standards Trio” junto com Gary Peacock. Outros trabalhos de renomada importância na obra de DeJohnette estão nos seus grupos “New Directions” e “Special Edition”.

Música: Prism - Análise teórico-perceptiva:

Trata-se de um trio básico instrumental - contrabaixo, bateria, e um instrumento solista, neste caso, o piano.
A tonalidade utilizada é a de Mi maior. A harmonia contém três acordes - E, C#m e A. São estes os acordes formados sobre o 1°, o 6° e o 4° graus da eclala natural de Mi Maior.
Os músicos interagem bastante no decorrer da performance. Ao prestar mais atenção é possível perceber algumas melodias cantadas de forma improvisada, em certos trechos, de uma forma quase infantil e lúdica, brincando com a música. Percebemos que esses “vocalizes” são de Jarrett, e achamos que brotam da emotividade vivida pelo músico em determinados trechos de seus improvisos. Ouvindo outras performances de Jarrett, notamos que é característica dele, realizar tais intervenções vocais
A melodia que mais se destaca fica a cargo do piano. O piano trabalha bastante, há muitos improvisos, e em alguns momentos, sentimos que o que parecia simples, atingem um elevado grau de complexidade. Concordamos que tal nível de profundidade ocorre pela capacidade musical de Keith Jarrett.
A melodia, em tonalidade maior, é bastante empolgante e alegre. Transmite uma sensação de leveza. Remete a um parque onde crianças brincam livremente.
O compasso é quaternário (4 por 4). Quanto à base rítmica, há, dentro de um compasso: semínima, semínima, semínima, colcheia e colcheia acentuada e ligada ao primeiro tempo do próximo compasso. Segue essa descrição até a próxima ligadura, e assim sucessivamente. Dessa maneira, firma-se um padrão rítmico de base. Esse padrão é sincopado, e caracteriza a levada da música. Esta síncope verifica-se nos graves com sustentação de som (mão esquerda do piano e contrabaixo). Reservadas algumas variações existentes no decorrer da música, num geral, é isso aí.
A bateria executa a célula rítmica citada acima, onde o chimbau é tocado fechado em semínimas, sozinho no tempo 1, e junto com o bumbo, nos tempos 2, 3 e 4, e é aberto na última colcheia de cada compasso (aquela que contém o acento e a ligadura), quando o músico, simultaneamente, toca o bumbo e a caixa.
O baixo faz uma linha muito simples, utilizando poucas notas. Essas notas são basicamente as fundamentais da harmonia. Há também um pedal sendo realizado na nota Mi. Salienta-se, no entanto, a emotividade de Peacock e o sentido musical dado por ele a cada nota.
Existe um padrão melódico, rítmico e harmônico, que se repete ao longo de toda a composição, porém, com certas variações nos arranjos.
A dinâmica dos músicos é um aspecto importante a ser comentado. A música cresce em certo momento e noutro quase some para posteriormente reaparecer. Num geral,  mantém-se numa linha menos explosiva e mais viajante.
A composição vai sendo finalizada num fade-out até diluir-se por completo.

*Uma produção em conjunto da turma - Oficina de Criação Musical, 2010/2011.
Integrantes: Wagner Rodrigues, Flávia Matias, Francisco Pisseti e Luis Carlos.
Orientador: Diego Costa. 

Referências:

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Percepção e Linguagem Musical

Trecho do texto de introdução da Apostila de Composição-Arranjo do Maestro Tasso Bangel.

"A música é um bem público, ouvido e apreciado pelo povo, e utilizada por quem livremente desejar utilizar. A música, como a língua, utiliza signos e regras gramaticais, pois desde que se atribua valor para determinado signo ou sinal, existe uma linguagem. A música, assim como a fala, poderá ser ouvida e escrita. A criança "deduz" regras que usa para construir o seu cantar, sem se preocupar com estilo ou forma, somente cria seu canto nos moldes do que ouviu, com sequencias similares às ouvidas no seu meio-ambiente. Não existe uma língua ou música mais difícil que a outra, todas serão aprendidas pelas crianças, no mesmo tempo de vida, ou seja, por volta dos cinco anos, todas as crianças do mundo se comunicam falando e cantando as linguagens de suas pátrias. Primeiro a audição e o canto, depois a cultura dos signos, da gramática e da escrita musical. A criação musical poderá ser gramatical ou agamatical, as regras fazem parte do acervo sonoro do indivíduo, de sua competência. Na linguagem da música, cada signo tem um som e um efeito correspondente; na língua falada, são os fonemas que formam as palavras e significados. A língua usa um sistema gramatical com sujeitos, verbos, predicados, artigos, substantivos, adjetivos, etc. A música usa notas, escalas, tonalidades, melodias, harmonias, divisões rítmicas, etc. As normas gramaticais da música atingem todas as formas, gêneros e estilos, sejam eles folclóricos, religiosos, populares, clássicos, cantados ou instrumentais. A língua falada e escrita, e a música, são semelhantes em sua regência gramatical, no que se refere à construção de frases, períodos, perguntas e respostas, e discurso expositivo. Todo músico possui uma gramática que foi interiorizada desde a tenra idade e é um componente muito importante na formação da personalidade e identidade musical. A música é uma dádiva que nos foi dada e devemos buscar condições para que ela se desenvolva".

Referência:

BANGEL, Tasso. Apostila de Composição-Arranjo. Porto Alegre, 2011.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Como me Relaciono com Música

 Estou intimamente ligado à música. Escuto música em grande parte das minhas atividades cotidianas e toco meu instrumento diariamente.
Penso que a escolha do estilo musical que tenho vontade de ouvir ou tocar, aquela vontade de escutar as sugestões musicais que determinada sonoridade nos propõe, vem do estado de espírito em que me encontro. Quando me deixo guiar por esse sentimento, a música me esclarece pensamentos e me faz especial companhia.  
Quando estou trabalhando, minha audição musical é mais prática e direcionada para determinado fim específico. Como instrumentista, necessito estudar técnica, improvisação e o repertório que preciso executar.
Enquanto professor, me deparo com uma diversidade de outros universos sonoros, próprios da vivência musical dos meus alunos, com os quais não iria me envolver tanto, se não fosse pela relação de ensinar alguém a executar tais músicas no seu instrumento. Com isso aprendo muito, pois além desse contato com outros feitios musicais, estou sempre revisando os conteúdos técnicos e teóricos, pertinentes às aulas de música que leciono.
Quanto ao meu processo criativo, normalmente parto de uma idéia (melódica, rítmica ou harmônica), registro-a, e a partir daí, vou desdobrando temas, e com isso, lapidando minha composição. Esse também é o sistema que adoto no desenvolvimento dos temas criados pelos alunos da OCM.
                                                                                                                                   Diego Costa.