Moacir Santos
“Quando eu fujo da minha vaidade, sinto o meu orgulho agachadinho, tão escondidinho fingindo que não existe”. Moacir Santos. Rio, 23/02/66.
BIOGRAFIA:
Moacir Santos é considerado um dos maiores arranjadores e compositores brasileiros e aquele que renovou a linguagem da harmonia no país.
Moacir nasceu em 1926, no dia 26 de julho, em lugar incerto do interior de Pernambuco, entre Serra Talhada, Bom Nome e Belmonte. Desde cedo, sua brincadeira predileta foi “imitar” a banda de música de sua cidade - Flores do Pajeú. Por estar presente em todos os ensaios, logo foi eleito vigia dos instrumentos a fim de evitar que as demais crianças mexessem nos mesmos. À época, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ainda não existia. Sua ligação com a música era tamanha que ele frequentemente recebia de presente instrumentos e aprendia a tocá-los intuitivamente.
Posteriormente, com 14 anos, tornou-se um dos membros da banda local tocando saxofone, clarinete, pistom, banjo, violão e bateria. Em seguida, partiu com amigos rumo a cidades maiores e, vivendo como andarilho, tocava de cidade em cidade, no Nordeste.
Em 1943, conseguiu sua primeira oportunidade de apresentar-se no programa chamado “Vitrine” da Rádio Clube Pernambucana. No ano seguinte, ingressou como sax-tenorista na Banda da Polícia Militar da Paraíba. Em 1945, Severino Araújo, que estava formando a Jazz Band da Rádio Tabajara da Paraíba, o convidou para ingressar como sax-tenorista e clarinetista. Em 1948, mudou-se para o Rio de Janeiro e com a ajuda de Lourival, tornou-se o sax-tenorista solista da Orquestra do Maestro Chiquinho.
Estudou Teoria, Harmonia, Contraponto, Fuga e Composição com Paulo Silva, José Siqueira, Virgínia Fiusa, Cláudio Santoro, João Batista Siqueira, Nilton Pádua, Guerra Peixe, e Hans Joachim Koellreutter, de quem se tornou assistente.
Em 1951 foi convidado por Paulo Tapajós para participar do programa “Quando os maestros se encontram” e fez o arranjo da música Na baixa do sapateiro, de Ary Barroso e Melodia para Trompa em Fá, de sua autoria, tornando-se assim, membro do quadro efetivo de maestros da emissora. No ano seguinte, fez um curso de composição do Professor Ernest Krenek e surpreendeu rapidamente a compor sob o novo método ensinado - dodecafonismo.
Em 1954 foi convidado a dirigir a Orquestra da TV Record de São Paulo e dois anos depois retomou suas atividades na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Trabalhou com Ary Barroso na direção artística da gravadora Rozemblit e como condutor de orquestras em gravações da Copacabana Discos, revelando-se um dos mais competentes arranjadores brasileiros.
No ano de 1960, por sua destacada atuação, recebeu o diploma de “Músico do Ano”, pelo Sindicato de Músicos Profissionais do Estado da Guanabara (que em 1975 se fundiria ao estado do Rio de Janeiro) e pela União dos Músicos do Brasil. Nessa década, sua carreira chegou ao ápice: recebeu diversas propostas de composição para cinema e trabalhou com diversas estrelas da bossa nova. Vinícius de Morais o cita na música Samba da Bênção “A bênção, Moacir Santos, que não és um só, mas tantos, tantos como o meu Brasil de todos os santos...”.
Em 1963 escreveu os arranjos do disco “Vinícius de Morais e Odete Lara” e participou de um disco de Baden Powell como pianista e cantando um dueto com Alaíde Costa. Segundo Badedn Powell, que foi aluno do maestro, “...ele era um professor sensacional, meio metafísico, explicava a harmonia, os intervalos entre as notas, as dissonâncias, usando por exemplo as estrelas”. Dizia Baden, “Fui estudar com ele essas "sabedorias". Seguindo suas produções nesse período, escreveu para os filmes “Seara Vermelha” de Jorge Amado, “Ganga Zumba” de Cacá Diegues, “ O santo médico” do diretor francês Sacha Gordine, “Os fuzis” de Ruy Guerra, “O beijo” de Flávio Tambellini dentre outros.
Em 1965 lançou seu antológico disco “Coisas”. Diz que é assim chamado porque como suas composições são populares e não podem ser denominadas de Opus - como ele realmente desejaria - são “analogamente” chamadas de coisas, então. Ainda nesse ano, compôs para o filme norte-americano “Amor no Pacífico” e recebeu de presente do Itamaraty uma passagem para assistir a pré-estréia do filme em Nova York. O clube brasileiro de Nova Jersey, sabendo da ocasião, aproveitou para chamá-lo para a comemoração do Dia da Independência do Brasil, ao lado de, dentre outros, Juscelino Kubitschek.
Em 1966 foi nomeado Membro da American Society of Composers Authors and Publishers (ASCAP). No ano posterior, desligou-se da Radio Nacional e mudou-se para os Estados Unidos onde passou a dar aulas em casa até se tornar membro da Associação dos Professores de Música da California, Los Angeles.
Em 1968, participou da equipe Henry Mancini de música para cinema. Em 1972 lançou seu primeiro álbum no exterior indicado ao Grammy Awards chamado “The Maestro”. Em seguida vieram “Saudade” (1974), “Carnival of the Spirits” (1975), e Opus 3 nº1 (1979).
Em 1977 foi nomeado Membro da Music Teachers Association of California (MTAC). Em 1985 Radamés Gnattali o escolheu para abrir o I Free Jazz Festival no Rio de Janeiro. No ano seguinte, recebeu o diploma da Ordem dos Músicos do Brasil, e em 1987, sua entrevista concedida ao Jornal do Comércio foi transcrita para os Anais da Câmara Municiapl do Recife.
Em 1994 participou como professor do curso Festival de Inverno de Campos do Jordão, e ainda nesse ano, recebeu o diploma da Academia Pernambucana de Música. Passados dois anos, recebeu a Comenda de Grau de Oficial da Ordem do Rio Branco do Presidente da República e foi homenageado com o “Tribute to Moacir Santos” pelo Brazilian Summer Festival.
Em 2001, foi lançado o cd duplo intitulado Ouro Negro, que resgatou obras anteriores suas apresentadas em seus arranjos originais transcritos por Mario Adnet e Zé Nogueira. O cd contou com a participação de grandes nomes da música popular brasileira, como: Gilberto Gil, Milton Nascimento, Ed Motta, Djavan, João Bosco, Joyce, João Donato e Muiza Adnet. Em março deste ano, entraram em estúdio: os saxes de Zé Nogueira, Nailor Proveta, Marcelo Martins e Teco Cardoso; os trombones de Vittor Santos e Gilberto Oliveira; o trompete de Jessé Sadoc; o clarone de Paulo Sérgio Santos; a flauta de Andrea Ernst Dias; a trompa de Phillip Doyle; os pianos de Cristóvão Bastos e Marcos Nimrichter; o violão de Mario Adnet; a guitarra de Ricardo Silveira; os baixos acústicos de Zeca Assumpção e Jorge Helder e o elétrico de Bororó; a bateria de Jurim Moreira; a percussão de Marçalzinho, além dos cantores já mencionados.
Em 2005, foi lançado o CD "Choros & Alegria", registrando suas composições "Agora eu sei", "Outra coisa", "Paraíso", "Saudade de Jaques", "Vaidoso", "De Bahia ao Ceará", "Excerto No. 1", "Flores", "Cleonix", "Ricaom", "Lemurianos (Pâtâla)", "Rota Infinito", "Carrosel", "Samba di Amante" e "Felipe"; todas escritas muitos anos antes de sua fase modernista emblematizada no LP "Coisas". O disco produzido por Mario Adnet e Zé Nogueira, contou com a participação do renomado trompetista Wynton Marsalis. Ainda nesse mesmo ano, foram lançados os songbooks "Cancioneiros Moacir Santos". Em 2006, o CD "Choros e alegria" foi contemplado com o Prêmio Tim, na categoria Melhor Disco/Projeto Especial. Em julho, foi vencedor do 26º Prêmio Shell de Música, pelo conjunto da obra. No dia 6 de agosto desse ano, Moacir veio a falecer. No dia 8 de novembro, sua viúva Cleonice Santos, e seu filho, Moacir Santos Jr., receberam das mãos do presidente Lula e do ministro Gilberto Gil, a medalha da “Ordem do Mérito Cultural” conferida ao músico.
OBRA:
* Agora eu sei * Amalgamation * Amphipious * Anon * Bluishman * Bodas de prata dourada * Carrosel * Cleonix * Coisa n° 6 * Coisa nº 1 (c/ Clovis Melo) * Coisa nº 10 * Coisa nº 11 * Coisa nº 12 * Coisa nº 2 * Coisa nº 3 * Coisa nº 4 * Coisa nº 5 - Nanã * Coisa nº 7 (Evocative) (c/ Mario Telles) * Coisa nº 8 (Navegação, Make mine blue) (c/ Regina Werneck e Nei Lopes) * Coisa nº 9 (c/ Regina Wernek) * De Bahia ao Ceará * De repente estou feliz (Happy happy) * Excerto No. 1 * Felipe * Flores * Jequié (c/ Aldir Blanc) * Kamba * Kathy * Lamento astral (Astral Whine) * Lembre-se (c/ Vinicius de Moraes) * Lemurianos (Pâtâla) * Mãe Iracema * Maracatu, Nação do Amor (April child) (c/ Nei Lopes) * Maracatucutê * Menino travesso (c/ Vinicius de Moraes) * Oduduá (What´s my name) (c/ Nei Lopes) * Orfeu (Quiet Carnival) (c/ Nei Lopes) * Outra coisa * Paraíso * Quermesse * Ricaom * Rota Infinito * Samba di Amante * Saudade de Jaques * Se você disser que sim (c/ Vinicius de Moraes) * Sou eu (Luanne) (c/ Nei Lopes) * Suk-cha * Triste de quem (c/ Vinicius de Moraes) * Vaidoso.
DISCOGRAFIA:
* ([S/D]) Opus 12 nº 1 • Discovery • LP * (2007) As canções de Moacir Santos • Adnet Música/Tratore • CD * (2005) Choros & Alegria • Biscoito Fino • CD * (2001) Ouro Negro • MP,B/Universal • CD * (1997) Arranjadores • Projeto Memória Brasileira • CD * (1975) Carnival of Spirits • Blue Note • LP * (1974) Saudade • Blue note • LP * (1972) The maestro • Blue note • LP * (1965) Coisas • Forma • LP.
Música: Coisa Nº 1 (Moacir Santos/Clóvis Mello) - Análise teórico-perceptiva
Analisando a música em questão, Coisa nº1, encontramos como tonalidade, Ré menor. Os acordes em tétrade dessa tonalidade são: Dm7, Em7(b5), F7M, Gm7, A7, Bb7M, C#°. Considerando a presença das notas sib, dó#, dó natural e si natural, na formação dos acordes que harmonizam a Coisa, definimos a escala ocorrente como sendo a de Ré menor Melódico.
O compasso é binário simples (2 por 4), ou seja, duas pulsações por compasso, valendo uma semínima cada. Tal compasso é usado em marchas, algumas composições de jazz e de música erudita, além de diversos outros estilos de música populares como frevo, baião, samba, blues (shuffle), etc.
Parte-se agora para a descrição da harmonia gradual e funcional da música:
ACORDES | GRAU | FUNÇÃO |
E7 | V/V | D/D |
A7 | V | D |
Dm7 | i | t |
Am7 | iii /III | Dr/R |
Gm7 | iv | s |
Fmaj7 | III | tR |
Em7 | ii | sr |
C7 | V/iii | D/tR |
D7 | V/iv | D/s |
A música, em sua orquestração, possui instrumentos como o saxofone alto, sax-barítono e sax-tenor, trompete, trombone, violão, contrabaixo e bateria.
A peça possui textura polifônica, ou seja, a melodia é acompanhada de uma ou mais melodias simultâneas. O saxofone barítono faz a melodia principal enquanto que os demais instrumentos fazem os contracantos. Os contracantos servem para “enfeitar a música”, através da criação de diferentes vozes que acompanham a melodia principal. Geralmente possuem deslocamentos de notas independentes entre os instrumentos. Na música coisa n.1, isso parece ocorrer numa forma de “pergunta e resposta”, ou seja, as melodias do solista e dos demais sopros, se complementam.
O tema é bastante repetitivo, sendo enriquecido com variações e solos. O estilo mistura jazz e bossa nova, muito populares na época. Músicos como Herp Albert e Burt Bacharach, na Califórnia, também fizeram essa mistura, trazendo uma batida latina às suas composições.
Quanto à forma, pode-se dizer que é: A, B, A’, B’, A, B-fade-out. Há uma introdução (Compasso 1-6), Tema A (C. 7-16), Tema B (C. 17-32), Tema A’ (C. 33-42), Tema B’ (C. 43-58), dae tem uma repetição ao A inicial e segue o B em fade-out até acabar.
PARTES TEMPOS COMPASSOS
Introdução 0.00 à 0:10 s 1 ao 6
A 0:11 à 0:27 s 7 ao 16
B 0:28 à 0:53 s 17 ao 32
A’ (SAX) 0:54 à 1:10 s 33 ao 39
Nessa parte A’, é como se a melodia de A estivesse tocando ao fundo, no entanto, ela foi substituída por um improviso de sax-alto. Do compasso 40 ao 42, o sax solista, retoma o final original da melodia de A, dando a deixa para seguir o B’.
B’ 1:11 à 1:37 s 43 ao 58
A 1:38 à 1:53 s “59 ao 68” *
B 1:54 à 3:42 ( fim) “69” e fade-out.
*Esta numeração está entre aspas porque, pela nossa partitura, há uma indicação de repetição ao compasso de número sete, ou parte A, seguindo no B fade-out.
A dinâmica musical refere-se à intensidade sonora que o compositor quer que certa nota ou certo trecho musical seja executado. A sua gradação vai desde de molto-pianíssimo até molto-fortíssimo. Na música coisa nº1, a melodia principal é executada em mezzo-forte enquanto que os contracantos são executados em mezzo-piano. Quando ocorre o solo do sax alto, parte A’ (C. 33), este é executado em forte (mais pela intenção que o solista imprime à sua interpretação) e os contracantos são em mezzo-piano. Para este solo de sax-alto, há uma indicação na partitura, entretanto, não há música escrita para ele, sendo, o que ouvimos neste trecho - com extensão de 10 compassos, o resultado de um improviso do músico que atuou na gravação. Observamos que a partitura não traz indicação de dinâmica, ficando essa, muitas vezes sujeita à interpretação e ao bom senso utilizados pelos músicos. Na parte B’, a melodia de B é retomada numa dobra de trombone e sax-alto. Nesse momento, a dinâmica da banda parece estar toda mais pro mezzo-piano.
Quanto ao caráter expressivo, a peça transmite uma sensação de modernidade, de irreverência e de ânimo, principalmente na introdução, sente-se isso (subjetividade)! E quando se chega ao tema, parece que se travam diálogos entre os saxes, que há uma história sendo contada... A música apesar de sua modernidade, traz certa nostalgia também, remetendo aos anos 60, do esplendor da Bossa Nova no Brasil, da música de Sérgio Mendes, de Herp Albert e de Burt Bacharach, nas rádios de música internacional. Além disso, transmite muita sensação de ordem e de minimalismo, daí, novamente citar que por isso o feeling de modernidade está presente! É como se lembrasse as obras do arquiteto Oscar Niemeyer - criativas, originais, imponentes, mas minimalistas!
Quadro de Dinâmicas
ppp | molto-pianíssimo |
pp | pianíssimo |
p | piano |
mp | mezzo-piano |
mf | mezzo-forte |
f | forte |
ff | fortíssimo |
fff | molto-fortíssimo |
*Uma produção em conjunto da turma - Oficina de Criação Musical, 2010/2011.
Integrantes: Wagner Rodrigues, Flávia Matias, Francisco Pisseti e Luis Carlos.
Orientador: Diego Costa.
Referências:
NOGUEIRA, Zé; ADNET, Mario. Cancioneiro Moacir Santos: Ouro Negro. Rio de Janeiro: Jobim Music, 2005.
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